quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Realirismo II – A personagem é persona, é sedenta.

                       Nas tardes livres estuda amarração de turbantes. Constrói para si figurinos. Nas tardes de aprisionamento observa-se em nervos, em expectativas, em sonhos de fuga.
                            Nas noites de cinema enjoa-se do sonho americano, enjoa-se de ignorâncias expostas, enjoa-se das tropas e das elites.
                           Nas madrugadas mantém-se em casa, em sono leve, em sonhos.
                           Em sua cabeça, em qualquer hora, pode-se ver: visíveis veias saltadas. Vão vivendo na fronte, em front. Formam canais, afluentes, corredeiras sanguíneas a conduzir impressões desde as rugas até o alto e invisível cérebro do homem: humano, pequeno, demasiado pequeno, homem humano.
                            Veja-se: o dito.  Perceba-se: o enquanto.
                            Anote-se: o quando, aquando, é dito o dito, pode ser nomeado. 
                            O nome do quando é enquanto.

sábado, 23 de outubro de 2010

Fragmenta.

Madrugada.
Acorda-se. Volta do longe, do impreciso. A história da noite escapa, escorre junto com o lixo do corpo, pelos canos. Águas seguem para mares, sonhos desaguam em sonhos – pensa. Bebe o café. Come o pão. Engole uma pílula. Lava a cara, lava os dentes, coça-se. Ainda é escuro. Hora de ruídos poucos. Uns pássaros confabulam na vizinhança. Veículos acelerados aproveitam-se das vias livres. Uma dor aguda, pontuda, fina, reside em pequeno trecho, logo ali abaixo do pescoço. É um aviso, sabe-se lá do que.

Manhã.
Assusta-se. Descobriram água na Lua, dizem os jornais. Quem vai beber a água da Lua? Haverá um dono da água da Lua? Pressente.

Tarde.
Procura jeito de fazer chegar uma carta ao rei. Pede calma a todos os homens e mulheres. Manifesta cansaço em meio à violência presente em todas as falas, em tantos atos, em extremos de incompreensão.

Noite. 
Não se deixa tocar. Concebe propósitos. Recolhe-se. Penetra no espaço flexível, no tempo incontado. Em gramado escuro sentam-se todos os personagens do dia. Esforça-se para convencer alguém da necessidade de permanecer em paz.  Segue em trabalhos. 

Madrugada.
Acorda-se. Assusta-se. Na transformação do estado da  luz procura palavras, entendimento, explicação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dores. Dons.

    Homem foi lá, no longe, como acontece vezes em quando. Cantou lá, esperneou, vibrou, rememorou e esqueceu. Entregou-se lá a afazeres artísticos, atuou, observou, alimentou, dançou, em costumes contrários aos corriqueiros, aos afazeres de seus dias no comum. Na casa de retorno, desaprumou-se o espírito seu. Os caminhos do ar, a cada passagem de ar, puseram-se a arder. Adoeceu. No destino apresentou-se momento de recolher.
    Homem medita motivos, lógicas, confluências, enquanto sorve substâncias diversas, todas destinadas a fazê-lo reencontrar conforto. Prazer é assunto grave; prazer esgota; prazer é ameaça, vai repetindo o homem, recluso, a apreciar o crepúsculo e gozar do entorpecimento, leve, produzido pelos remédios. Medita a dor.
   Quando em caminho, dirigindo-se à oca do xamã moderno, havia alarme: exaustão de músculos, vazamentos de líquidos viscosos pelo nariz, tremores do destempero, em frio, em calor, em arrepios. Onde estavam estes seres ora agindo em mim? É a indagação do homem. E segue, sabendo e não sabendo, acreditando e não acreditando em fato: está vivo.
    Rememora os esforços dos dias de prazer, postados ali, cravados no diário, nas exatas páginas anteriores àquelas onde morarão as lamúrias do engripamento. Gira mundo, gira mundo, gira – proclama o homem, a pressentir-se existindo qual massa de pão em repouso, crescendo, entre uma e outra hora de sovar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Realirismo.

    Tudo é imagem, disse o moço ali recostado. Trazia os pés um em direção ao outro, sobrepondo-se. Movia as mãos de dedos firmes, acentuando trechos de uma fala forte, brava, consistente. Os frutos de sua inteligência deliciaram os convivas. Assustaram-nos também. Houve quem dissesse ser sua fala – sobre movimentos feitos por agentes da grande rede – um discurso sobre a semiótica do mal. Houve quem manifestasse somente medo diante da evidência de estarmos vigiados, compelidos, organizados, monitorados, envolvidos em complexos sistemas fincados em artefatos – gigantes – tecnológicos.
    Tudo é palavra, pensa o homem, em noite seguinte, a ouvir o som, a ver pelas vias cibernéticas a imagem de Amy Winehouse. Sorve, na casa, uma taça, um vinho da casa. Ouve a moça. Ouve o canto. Está no canto. Pensa: tudo é pensamento. Pensa: tudo não existe; nada não existe; as forças do cheio e do vazio estão. Assim segue a construir imagem, fala, ideia, sentimento, sentido. Um gole, um brinde, uma prece – unidades – ocupam o homem.
    Nisso, inventa: uma palavra, um nome, um entendimento. Real é o apaixonamento. Real é o encantamento. Real é rima, ecoa e vibra, prosaica, em prosa, ao relento.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Tardinha.

    Andou. Sem parada, seguiu por duas horas. Subiu à casa carregando um doce embrulhado. Preparou café, forte. Ouviu música indiana. Comeu e bebeu e pensou. Pensou  política. Cogitou lançar manifesto em prol de, ou contra o. Não se decidiu. Pensou. Parou.
    A claridade das lâmpadas começou a existir na rua. O frio encantou o dia e vibrou no anoitecer. Homem reviu seus passos e olhares. Rememorou amoras nascidas às margens do caminho. Rememorou o azedo das frutas, ainda verdes, e o desconforto de não receber resposta a um cumprimento.
    Perguntou-se. Como entrar em contato? Qual idioma será o sempre certo? Quais histórias são as precisas para, ao mostrar-se, fazer-se ver e entender? Mirabolou um tanto. Recostou-se no macio a olhar as sombras na casa. A noite envolveu o homem e as coisas ditas suas. Percebeu-se.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Começo. Partida.

Vê a lua em crescendo. As carências o impulsionam. O sujeito deseja. Deu ordem ao disco negro. A música é extravagante. É antiga qual sonho. A casa tem perfume de homem só. Há um anseio. Há um espaço aberto. Há um centro no ser. No centro do centro há um nó.